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Assim que terminei o Ensino Médio, me preparei para fazer um intercâmbio, no intuito de aprimorar o inglês, o qual eu vinha estudando com muita paixão – e sacrifício financeiro – em uma escola de línguas. Fui para fora do país, estudei, trabalhei e vivenciei experiências que se tornaram para mim um divisor de águas entre a adolescência e a vida adulta. Quando voltei, fui abordada por meu pai com a inevitável pergunta: Lu, e agora? Pronta para fazer uma faculdade?

Confesso que a pergunta dele me pegou desprevenida. Isso porque, mesmo passado algum tempo desde a minha conclusão do Ensino Médio, eu achava que não soubesse que carreira queria seguir. Entretanto, mesmo com tantas inseguranças, eu tinha algo a meu favor:
eu sabia exatamente que carreira eu não queria seguir, por isso, eliminar as não-opções me deixou mais perto de uma escolha genuína.
Definir o que é bilinguismo, assim como foi, para mim, escolher uma profissão, também pode ser uma missão delicada, mesmo porque mirar em um único alvo, neste caso, pode significar errar outros igualmente válidos. Sendo assim, que tal pensarmos o bilinguismo a partir do que ele não é?

Bilinguismo não é falar a língua adicional como um nativo

Esta é uma expectativa que muitos de nós carregamos ao ingressarmos, nós mesmos, em uma escola de idiomas ou ao colocarmos nossos(as) filhos(as) em uma escola bilíngue. Entretanto, mais importante do que eliminarmos o sotaque a todo custo é sermos capazes de articular conteúdos diversos, posicionar-nos em debates e transitarmos por diferentes cenários
culturais, apropriados da capacidade de comunicação de nossos desejos e necessidades – tudo isso na língua adicional.

Bilinguismo não é um fim em si mesmo

Aprender uma ou mais línguas certamente tem suas vantagens – os neurolinguistas que o digam! Segundo esses estudiosos, as pessoas bilíngues apresentam ganhos nas funções executivas, como alternância de tarefas e atividades de atenção, entre outros. Mas não é só
isso que o bilinguismo faz. Ele, na verdade, é uma ferramenta potente para que a gente, por meio da aprendizagem de outra língua, se familiarize com outros discursos e modos de ser no mundo e, assim, se torne indivíduos mais empáticos e igualitários entre as diversidades.

Bilinguismo não é dar mais valor à língua adicional

É muito comum nos deixarmos levar por uma tendência à hierarquização das línguas: uma – geralmente a adicional – como sendo mais importante do que a outra. O próprio termo bilinguismo, porém, já é autoexplicativo: a habilidade de transitar entre duas línguas. Com isso, desenvolver habilidades e acessar conteúdos devem acontecer tanto na língua adicional como na de nascimento. O que determina o uso de uma ou de outra não será seu grau de importância, mas sim o contexto de comunicação, seu sentido, necessidade e objetivo.

A pergunta repentina do meu pai sobre a minha escolha profissional e a eliminação das não-opções, no final das contas, não foram os fatores que me prepararam para a minha decisão por uma carreira. Mas foi o amadurecimento proporcionado pela experiência bilíngue. Mesmo me sentindo insegura, eu estava pronta. E não só pronta, mas apaixonada. Cruzar minha trajetória de vida com a trajetória de vida de afegãos, sudaneses, europeus do leste e
iranianos por meio da língua adicional foi para mim um “esticador de horizontes”, como diria o poeta Manoel de Barros. E foi com grande brilho nos olhos que comuniquei ao meu pai minha decisão: quero estudar Letras.

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Luciana Kim
Coordenadora Pedagógica da Lumiar Criciúma